quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Rumi

"This is love: to fly toward a secret sky,
to cause a hundred veils to fall each moment.
First, to let go of life.
In the end, to take a step without feet;
to regard this world as invisible,
and to disregard what appears to be the self.

Heart, I said, what a gift it has been
to enter this circle of lovers,
to see beyond seeing itself,
to reach and feel within the breast."

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Levinas

"O ente é o homem, e é enquanto próximo que o homem é acessível. Enquanto rosto."

sábado, 16 de fevereiro de 2008

kanji

“Um jeito de amar foi embora com ela”. Foi o que lhe disse o amigo no terceiro chopp do domingo. E ele, olhando o gol do Fluminense através da TV, não via nada.“O Paulo, por exemplo, quase ficou louco e no final tatuou o nome da namorada em japonês. Isso depois dela ter se casado com outro”. E ele pensou na estatueta que comprara um dia antes, um casal em bronze fundido num abraço. “Rasgou o nome da mulher na perna para esquece-la para sempre."

E aquela frase merecia um conto. Um jeito de amar foi embora com ela. E em cima da elegante cristaleira depositou a materialização do mais antigo devaneio, a projeção de sua ultima ilusão, o mysterium coniunction pela mais persistente de suas fraquezas. "Mas o Paulo não estava namorando de novo"? "Só se for uma por semana". “E porque em japonês?”

“El destino siempre nos conduce a lo que teníamos de ser”. “Jung?” “Não, Sabato”. “Quem é esse?”. “Abri o livro e li: vuelvo a deslumbrar los umbrales del Absoluto”. “Seu espanhol é uma merda". "Toma mais um chopp".

domingo, 10 de fevereiro de 2008

transcendência

Era como uma miragem o jovem sentado no banco de esquina da rua Oscar Freire. De seu instrumento saiam, como os íons da Beleza, as suítes para violoncelo de Johann Sebastian Bach. E ao lado do artista, absorto pelo instante, ele pode admirar com os olhos o saber mais profundo daquela música: os castelos inacabados da alma, a vertigem incessante dos abismos, a generosidade de Deus. Ou algo assim. E mesmo que seu Rayban fosse roubado outras dez vezes num estacionamento de Valet, e que ele tivesse mais cem discussões com o gerente do estabelecimento, e que ainda oitenta prestações, em vez de duas, tivessem que ser pagas pelo maldito par de lentes, seu dia, aquele dia, estava garantido. Bach com sua inigualável capacidade de pôr as coisas no lugar. Quem poderia amaldiçoar uma inevitável quadrilha de manobristas depois da ultima Saraband?
Era do Acre o artista quando jovem, acumulando as esparsas moedas da sobrevivência para a republica onde morava. Sua camiseta denunciava que só não faltava o pão. Praticava na rua, e ninguém parou nos vintes minutos em que ele se sentou junto a esse querubim, porta voz do sagrado, um mulato de sorriso fácil e olhos acesos. Conversaram entre o Mercedes Benz e a vendedora que fumava na calçada.
Quando leu os poemas de D. H. Lawrence pela primeira vez sentiu um formigamento nas mãos. Quando descobriu Rumi, entendeu Reich e o abandonou para sempre. Quando foi de Beethoven para Bach, aceitou a morte como o andróide de Blade Runner: “all those moments will be lost in time like tears in rain”.
Caminhou até a loja da Adidas e trocou o par de chuteiras e a bola por um agasalho felpudo. Depois de duas operações no joelho, só jogaria futebol dormindo. Uma vez por semana corria pelas quadras da quimera. Seus amigos de infância e a seleção de oitenta e dois eram aclamados pela torcida do Corinthians.
Insultos e limites, e as suítes de Bach. “I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I've watched C beams glitter in the dark near the Tannhauser gate…”

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

cinzas

Sua viagem tinha durado dois dias. Ele não precisou resistir. A pequena cidade tinha sido invadida por visigodos, e sobrevivia vendendo mantimentos inflacionados. Mulheres eram o artigo de luxo e podiam ser disputadas por agarrões, perseguições implacáveis, beijos-surpresa, e até tropeções. Descamisados, os foliões exibiam suas correntes de prata, e as tatuagens borrão cintilavam ao mormaço interiorano. Foi confundido duas vezes por um turista estrangeiro. O melhor item gastronômico era um churros de doce de leite, que dourando ao sol, tinha uma tendência ao brilho e um tônus peculiar. Depois de duas noites, abandonou o barco. O naufrágio era certo. Como dizia a marchinha: “São almas penadas dançando no além”.
Na casa, a melhor companhia e a melhor trilha sonora da região eram enriquecidas por vodcas ao flash power, haxixe, cannabis ativa e um LSD anfetamínico de efeito surpreendente. Apoderou-se de um pandeiro dos tempos de PUC e quase furou a lamina sonora algumas vezes. Foi testemunha da loucura alheia. Sua vigília era uma autentica manifestação da impossibilidade de dormir sem algum tipo de exaustão. Não era alheio a tudo aquilo, mas não conjugava. Nos olhos dos melhores amigos as flamas da incerteza eram suficientes.
De volta a São Paulo foi atropelado por um bloco de maracatu. O primeiro estacionamento selou o destino do carro e ele seguiu sem descobrir o rumo. Mais tarde informações desencontradas deram três endereços finais para a turba. Ninguém sabia para onde estava indo. Viu duas vezes o filme dos irmãos Coen. Veria o rosto de Tommy Lee Jones outras trinta.
Foi redimido pelo Ó do Borogodó. Há dois anos essa espelunca cheia de alma tinha entrado no roteiro de sua vida. Desta vez, com seus amigos, exorcizou até a gripe que o elegera na noite fria de São Luis. O Ó.