quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Desde que o samba é samba é assim


O bloco pré-carnaval era entre o bar e o cemitério. A rua de paralelepípedo estava cheia de gente e um homem barbado de cento e vinte quilos ostentava um vestido de sereia. Meninas bonitinhas sambavam com homens suados e os músicos sorridentes eram espremidos contra o trio elétrico. A cada momento o grupo de seus amigos pendia para umas das calçadas. Hora a corrente de gente os levava para o bar, hora para o grande muro que cercava a rua inteira. Pensou se isso era um sinal de que deveria voltar a beber. Mas não bebia há anos e uma cerveja lhe tirava mais do que lhe dava.
A Vila Madalena era ali, na rua cheia de samba. No Carnaval o tempo não conhece passado e qualquer história encontra redenção. E ele era arrastado para o boteco pensando se gostaria de arriscar outra vez, ou achar a hora certa de desbravar a fila do banheiro.
Estavam ele, um saci de perna quebrada, um rapaz segurando um melão, três bonequinhas de luxo, uma loira de olhos azuis e o namorado tatuado. A cantora da banda era melhor que a Beth Carvalho. O samba era lento e a voz cheia de resignação: “Solidão apavora, tudo demorando em ser tão ruim, mas alguma coisa acontece no quando agora em mim, cantando eu mando a tristeza embora”. Depois de dez minutos descobriu-se, não sem surpresa, que todos esperavam diante do banheiro vazio. O saci falante não testou a porta e ficou por isso mesmo.
Viu a luz do sol que rompia pela primeira vez na tarde de sábado a massa escura das nuvens acinzentadas. Das estatuas que subiam mais altas que a parede cor de vinho, um anjo era observador. Até a quarta feira de cinzas e todas as outras, entre o bar e a casa dos mortos, a folia tinha um futuro próximo. O samba é a antítese da psicanálise.
Tomou um energético, maroto para os amigos, como se bebesse absinto. Podia dançar do alto de sua cabeça, alerta e infeliz. E gargalhar e cantar a essência cultural de um país que lhe era tão estranho quanto próprio. Um menininho na garupa do pai sacolejava feliz com seu revolver de água. Carnavais tinham lhe incrustado na alma as dezenas de marchinhas que conhecia de cor. Ele que quando pequeno guardava seu estoque de serpentinas como a um tesouro. Muito antes do advento do lança perfume.
“O samba ainda vai nascer, o samba ainda não chegou, o samba não vai morrer, veja o dia ainda não raiou”. Era o pré-carnaval. Ao que o homem sereia acrescentava depois de “não vai morrer”, “Nunca”!

Um comentário:

Unknown disse...
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